quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A hipocrisia e a sobrevivência

Pela rua distraída observando a nitidez de um céu completamente azul, me deparo com a realidade que poderia se tornar irreal, se todos nós quiséssemos. De um lado, a dor de alguém que tem de achar nos lugares mais impróprios possíveis algo pra se alimentar, pra sobreviver. Talvez no lixo, nos restos de um outro ser-humano igual à ele. E isso não tem outro nome senão sobrevivência. Ao olhar para o outro lado, vejo outro alguém, como eu, como você, como a outra pessoa que precisa sobreviver. Ele está ali, e gasta fortunas, e ri, e possui um relógio de ouro no braço, um carro blindado e paga numa simples camisa o dinheiro que o outro ser-humano ao seu lado, usaria para se alimentar durante um ano ou mais. A hipocrisia do homem com o relógio de outro vai além, assim como sua ganância. Ele nem fita o outro que busca alimento no lixo. Ele não o vê, e pronto. Não quer vê-lo. Só vê o que quer. Vê as roupas caras, os relógios de ouro, os carros importados, o luxo, o dinheiro... Mas não vê, aquele que necessita de um pouco de comida, de uma mão estendendida, para poder sobreviver. Seus olhos se cerram para isso. É como se aquela pessoa ao seu lado que recolhe sua sobrevivência não fosse como ele, não tivesse sentimentos, direitos, virtudes e defeitos, sonhos escondidos. O homem do relógio de ouro está ali e nada vê. Vê apenas um pobre que se alimenta do que ele acabou de despejar no lixo. E para ele isso é tão comum, é como uma selva, sem leis, sem solidariedade, sem humanidade. O homem olha se choca, sente piedade, caminha, e depois de alguns minutos se esquece do que viu. O outro ser-humano que busca sobrevivência do lixo jogado pelo homem do relógio de outro continuará ali, sabe-se até quando. Outras pessoas passarão, o olharão, se chocarão, terão piedade, e caminharão esquecendo-se sem nem estender a mão, sem nem ajudá-lo a viver um dia mais "humano".